Cooperação Nipo-Brasileira na Área Jurídica (Simpósio Internacional de Direito Brasil-Japão)

2015/8/28

Introdução

     Em comemoração dos 120 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre Japão e Brasil, estão sendo realizados, este ano, aproximadamente 900 eventos em todo o Brasil. Este seminário é um deles, mas também o único que tem como foco a área jurídica e de justiça.

     Manifesto meus profundos agradecimentos à Profa. Dra. Maria Arminda Nascimento Arruda, Pró-Reitora de Cultura e Extensão da USP, ao Prof. Dr. José Rogério Cruz e Tucci, Diretor da Faculdade de Direito da USP, ao Prof. Dr. Kazuo Watanabe, da Faculdade de Direito de USP, ao Prof. Dr. Tsukasa Miyajima, da Faculdade de Direito da Universidade Keio, ao Prof. Dr. Newton Silveira, Presidente do Instituto de Direito Comparado Brasil-Japão (IDCBJ) e ao Dr. Toru Motobayashi, Presidente do Japan Brazil Law & Culture Institute (JBLC), pela organização desta oportunidade única. Também tenho grande satisfação de poder participar deste evento juntamente com o Prof. Dr. Celso Lafer, ex-Ministro das Relações Exteriores do Brasil e Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e o Embaixador José Alfredo Graça Lima, Subsecretário-Geral Político do Ministério das Relações Exteriores.

     Hoje, gostaria de tratar de quatro temas especificamente: 1. A importância do Brasil para o Japão; 2. Cooperação bilateral nas áreas de Direito Penal e de Segurança Pública; 3. Expansão de intercâmbios humanos; 4. Medidas necessárias para o fortalecimento dos laços econômicos.

1. Importância do Brasil para o Japão

     O Japão analisa a importância do Brasil a partir de 5 diferentes perspectivas:

     (1) Primeiram ente, o Japão e o Brasil compartilham valores básicos, como democracia, a independência do Judiciário e liberdade de imprensa. Os dois países lidam com seus próprios desafios, mas ambos se esforçam para a concretização de uma sociedade transparente e justa.

     Este ano marca dos 70 anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. No dia 14 de agosto, o premiê Shinzo Abe fez uma declaração sobre os 70 anos desde o fim da guerra. Na ocasião, disse o premiê: “guardaremos em nossos corações o fato de que o Japão acabou se tornando um desafiador da ordem internacional no passado”, e acrescentou: “o Japão vai sustentar firmemente valores básicos, como liberdade, democracia e direitos humanos e, através do trabalho conjunto com países que compartilham tais valores, vai hastear a bandeira da ‘Contribuição Proativa para a Paz’, de modo a contribuir para a paz e a prosperidade do mundo mais do que nunca”. O Brasil é, para o Japão, certamente um importante parceiro que compartilha valores básicos.

   (2) Em segundo lugar, existem “Laços Humanos Especiais” nas relações entre o Japão e o Brasil. A imigração de japoneses ao Brasil já possui uma história de 107 anos. Atualmente, os nipo-brasileiros são aproximadamente 1,9 milhão de pessoas, representando a maior comunidade nikkei do mundo. Além disso, no Japão, vivem aproximadamente 180 mil brasileiros.

   (3) Em terceiro lugar, o Brasil é um importante país amigo do Japão. No Brasil, tanto o Japão quanto os japoneses gozam de grande credibilidade. Além disso, parte da culinária do Japão, como o yakissoba e o shoyu, além de judô, animês e outros elementos da cultura japonesa, foram incorporados à cultura brasileira. Isso é fruto dos longos anos de contribuição da comunidade nipo-brasileira ao desenvolvimento do Brasil. Agradeço imensamente, como embaixador do Japão, à comunidade brasileira pelos seus esforços. Além disso, também se pode dizer que os japoneses possuem uma imagem predominantemente positiva dos brasileiros.

   (4) Em quarto lugar, os dois países possuem íntimos laços econômicos. O Japão e o Brasil já executaram diversos projetos conjuntos, como o desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), Cenibra (produção de celulose), Usiminas (siderurgia), ALBRAS (alumínio), Ishibrás (construção naval). Atualmente, o Japão importa minério de ferro, soja, café, frango e outros alimentos do Brasil. Em termos de segurança alimentícia e de recursos naturais, o Brasil é indispensável para o Japão. Além disso, o Brasil, que se tornou recentemente a sétima maior economia do mundo, também é um importante mercado de consumo e destino de investimentos.

   (5) Finalmente, outro aspecto relevante é o aprofundamento da cooperação bilateral no cenário internacional. O Brasil é um importante parceiro do Japão no âmbito do G4, que busca a reforma do Conselho de Segurança da ONU, na expansão do sistema nipo-brasileiro de televisão digital, e no projeto ProSAVANA, em Moçambique.

2. Cooperação nas áreas de Direito Penal e de Segurança Pública

      A seguir, gostaria de mencionar três exemplos de cooperação bilateral nas áreas de Direito Penal e de segurança pública.

   (1) O primeiro deles refere-se ao tratado nipo-brasileiro de transferência de pessoas condenadas. Esse tratado foi assinado pelos dois países em janeiro do ano passado, sendo ratificado pela Dieta do Japão em junho do mesmo ano. Neste momento, está sob apreciação do Congresso Nacional do Brasil.

     Atualmente, aproximadamente 240 brasileiros encontram-se em prisões japonesas. Quase metade deles esperam ser transferidos para o Brasil logo para que possam encontrar-se com suas famílias. Nesse sentido, espera-se que o Tratado de Transferência de Pessoas Condenadas entre em vigor em breve. Encontram-se em prisões brasileiras 5 pessoas que possuem nacionalidade japonesa.

   (2) O segundo exemplo de cooperação em matéria penal é a condenação por crimes cometidos no exterior. O Japão possui acordos com diversos países de extradição de criminosos em casos envolvendo crimes graves, como assassinato ou latrocínio. No entanto, já que a Constituição brasileira proíbe a extradição de cidadãos brasileiros, uma forma especial de cooperação tem sido necessária. Até alguns anos atrás, brasileiros que voltassem ao seu país depois de ter cometido crimes no Japão não eram extraditados e nem punidos no Brasil, o que gerava um forte sentimento de desconfiança e insatisfação na sociedade japonesa. Contudo, com o avanço recente dos entendimentos mútuos em relação aos sistemas legais de cada lado, a cooperação nipo-brasileira nessa área ganhou fluidez. Até o momento, o governo japonês requisitou ao Brasil a prisão e condenação de criminosos envolvidos em 7 diferentes casos. Três desses casos já foram finalizados adequadamente, ao passo que os outros quatro estão sob os dedicados cuidados do Ministério Público e da Justiça do Brasil. O governo japonês tem plena confiança na colaboração dedicada do Brasil.

   (3) Em terceiro lugar, gostaria de mencionar a cooperação bilateral na área de segurança pública. No Japão, cabines localizadas nas ruas e nas quais se posicionam policiais, conhecidas como kôban, são abundantes. Esse sistema permite tanto a prevenção de crimes como a rápida verificação local em caso de ocorrências. Além disso, também funciona como uma forma de apoiar a vida cidadã, prestando, por exemplo, auxílio a pessoas que buscam informações ou guardando provisoriamente objetos perdidos. O fundamento do Sistema Kôban é o entendimento de que a segurança pública não pode ser garantida sem o apoio dos próprios cidadãos.

     Com a intenção de implantar o Sistema Kôban no Brasil, em 2005, a Polícia do Japão e a JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão), em cooperação com o Estado de São Paulo, passaram a instalar postos de polícia comunitária (kôbans) no estado. O número de homicídios para cada 100.000 habitantes no Estado de São Paulo caiu de 35 em 1999 para 10 em 2011. Caso o Sistema Kôban tenha contribuído para a melhora das condições de segurança no estado, me sentiria satisfeito.

     Em agosto do ano passado, durante a reunião de cúpula Japão-Brasil ocorrida em Brasília, houve a concordância por parte das autoridades de ambos os países de se expandir o Sistema Kôban para todos os estados e o Distrito Federal até 2018. Os procedimentos para tanto tiveram início em março deste ano.

     Tive conhecimento de que, em setembro, a Universidade de São Paulo também planeja adotar o sistema. A Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também estudam implantar o sistema. Espero que o Sistema Kôban contribua de maneira significativa para a melhora das condições de segurança em cada uma dessas universidades.

3. Expansão de intercâmbios humanos

      Agora, gostaria de tratar do fortalecimento dos intercâmbios humanos entre os nossos países. Atualmente, aproximadamente 90.000 japoneses visitam o Brasil, ao passo que 30.000 brasileiros visitam o Japão todos os anos. Apesar das limitações impostas pelo fato de que o Japão e o Brasil estão localizados em lados opostos do planeta, ainda há muito espaço para que esse intercâmbio humano aumente, já que ainda é bastante restrito.

      Com base nesse entendimento, o Japão passou a emitir, em junho deste ano, vistos de múltiplas entradas, com duração de três anos, voltados para viajantes comuns. Este ano, em que se comemoram os 120 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países, o ano que vem, quando serão realizados os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro, e 2020, quando ocorrerão os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio, serão grandes oportunidades para o aumento dos intercâmbios humanos entre os dois países.

      Em dezembro deste ano, está programada uma visita oficial da presidente Dilma Rousseff ao Japão. Espero que o Brasil adote uma medida semelhante voltada para viajantes japoneses em breve. O próximo ano, com a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro, será uma oportunidade para o aumento do número de visitantes japoneses ao Brasil. E, finalmente, a exemplo dos entendimentos do Japão com os Estados Unidos e países europeus, o ideal é que, um dia, o Japão e o Brasil eliminem a necessidade de vistos para visitantes.

      A propósito, divulgada em junho, uma lista elaborada em votação pelos leitores da Travel + Leisure, dos Estados Unidos, pelo segundo ano consecutivo, Kyoto foi escolhida como o destino mais popular de todo o mundo entre viajantes, seguida de Charleston (Estados Unidos), Siem Reap (Camboja), Florença (Itália) e Roma (Itália).

      Além disso, a pesquisa de 2015 sobre qualidade de vida feita pela empresa Monocle, do Reino Unido, revelou que Tóquio é a cidade mais fácil de se viver em todo o mundo, seguida de Viena e Berlim. Espero que ainda mais brasileiros visitem o Japão.

4. Fortalecimento de laços econômicos

     Existem muitos temas que merecem atenção para o fortalecimento dos laços econômicos bilaterais. As relações econômicas entre os dois países possuem uma longa história. No entanto, no ano passado, os intercâmbios comerciais somaram apenas 12 bilhões de dólares. Por exemplo, esse valor é menor do que o comércio do Japão com a Índia (15 bilhões de dólares) e bem menor do que aquele com a Indonésia (40 bilhões de dólares). O número de empresas japonesas em atividade no Brasil dobrou de 2008 a 2013 e, hoje, é de aproximadamente 700. No entanto, na Índia há cerca de 1.200 e, na Indonésia, aproximadamente 1.300 empresas japonesas em atividade. Considerando-se que o PIB do Brasil é maior do que o da Índia e tem praticamente o mesmo tamanho que o de todos os 10 países da Asean combinados, conclui-se que ainda há um grande potencial de aumento.

     Atualmente, a Câmara de Comércio e Indústria Japonesa do Brasil, localizada em São Paulo, desempenha um papel central na elaboração de propostas voltadas para o aumento de investimentos estrangeiros no Brasil. Suas propostas estão reunidas no “Plano de Ação para a Realização de Grandes Investimentos” (AGIR) e analisam de maneira específica quatro temas relacionados à economia brasileira: promoção do setor de suprimento de peças e máquinas industriais e apoio a pequenas e médias empresas; melhoria da infraestrutura; reforma tributária voltada para o aumento da competitividade de empresas; e elevação da produtividade do trabalho.

     Em relação ao primeiro tema, “promoção do setor de suprimento de peças e máquinas industriais e apoio a pequenas e médias empresas”, pode-se dizer que o longo período de adoção de políticas protecionistas pelo Brasil enfraqueceu, em especial, o setor industrial. Para a reversão dessa tendência, é urgente que haja políticas de incentivo à adoção de tecnologias do exterior e de formação e treinamento de pessoal. Outra questão é a proteção dos direitos de propriedade intelectual. No Brasil, são necessários de 8 a 12 anos para a obtenção de direitos de patente, o que dificulta o desenvolvimento de empresas que possuem altas tecnologias e, como resultado, a inovação não ocorre facilmente no país. A redução do tempo de análise de pedidos de novas patentes é uma questão importante.

     Já em relação à necessidade de melhoria da infraestrutura, cabe lembrar que a capacidade de escoamento de mercadorias é insuficiente, o que cria grande ineficiência no transporte de matérias-primas e de outros produtos e prejudica novos investimentos. São necessárias políticas voltadas para a melhoria da infraestrutura comercial e de busca de maior eficiência, assim como políticas relacionadas aos elevados preços de energia e água, fundamentais para a produção industrial.

      Para a realização das melhorias de infraestrutura mencionadas acima, são necessários grandes investimentos. No entanto, devido aos elevados juros cobrados por bancos no Brasil, aumentam os pedidos de financiamento de bancos estrangeiros. Bancos estrangeiros não têm permissão de estabelecer representantes no Brasil e, por isso, enfrentam dificuldades para a transferência de dinheiro de suas matrizes. Com isso, é impossível para tais bancos realizar grandes financiamentos de longo prazo. É desejável que haja uma flexibilização das regulações referentes a bancos estrangeiros, com o objetivo de melhorar a infraestrutura brasileira.

     Já em relação à reforma tributária voltada para o aumento da competitividade de empresas, cabe lembrar que o complexo sistema de impostos, como o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), impostos industriais e outros, prejudica as atividades empresariais. As empresas precisam gastar uma grande quantidade de tempo e recursos (como o pagamento pelos serviços de contadores, por exemplo) para lidar com impostos. O fato de que o sistema de restituição de impostos, Reintegra (Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários), não funciona de maneira eficiente é um grande problema para empresas que atuam em todo o país. Por isso, melhorias são desejáveis. Felizmente, o governo brasileiro deu início a uma simplificação do sistema de impostos, e esperamos com ansiedade pelo resultado desse processo.

     Como exposto anteriormente, neste momento em que celebramos os 120 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre nossos países, apesar de que os campos e temas em que a cooperação bilateral ocorre sejam diversos, ainda há um grande potencial de melhoria e desenvolvimento. A minha intenção é de expandir as relações bilaterais em parceria com o governo brasileiro. Espero contar com a colaboração de todos.

     Muito obrigado pela atenção.